O deputado independente David Mendes, eleito nas listas da UNITA, anunciou a saída da bancada parlamentar do principal partido da oposição que o MPLA ainda permite em Angola, após ter sofrido ameaças de morte.
Em declarações à TV Zimbo, David Mendes disse que amanhã, terça-feira (3.11) vai formalizar a sua saída da bancada parlamentar da UNITA, afirmando não haver “condições morais” para continuar no lugar. Será que, como aconteceu com muita boa gente, o MPLA vai abrir os braços (entre outros sinais de boas-vindas) a mais um (des)contente?
“Eu não compartilho com pessoas que não têm tolerância. Não compartilho com pessoas que aplaudem quem é ameaçado de morte e não há solidariedade. Muitos dirigentes e deputados da UNITA falaram comigo e mostraram a sua solidariedade, mas faltou solidariedade do partido”, referiu David Mendes.
O deputado independente revelou já ter comunicado a sua decisão ao presidente cessante da UNITA, Isaías Samakuva, com quem conversou mais de duas horas e que o terá tentado demover, mas sem sucesso.
“A vida não tem preço e a minha família não está disposta a perder alguém por um partido que acha que quem tem opiniões diferentes deve ser eliminado fisicamente”, afirmou David Mendes. E quem tem opiniões diferentes das diferentes deve?
O também advogado escreveu na rede social Facebook que aguardava com serenidade “um pronunciamento” da direcção do partido (com a qual nunca foi à missa) a um vídeo alegadamente produzido pela UNITA-Bruxelas, com ameaças de morte dirigidas a si.
O vídeo surgiu após um comentário do deputado na TV Zimbo, em que condenava a participação da UNITA numa tentativa de manifestação, em 24 de Outubro, com o objectivo de lesa honorabilidade do MPLA ao reivindicar melhores condições de vida, mais emprego e a realização das primeiras eleições autárquicas.
Segundo David Mendes, a presença da UNITA na manifestação “foi um erro estratégico”, classificando o facto como um mero aproveitamento político por parte do partido do Galo Negro.
“Se a sociedade decide partir para uma manifestação, os partidos políticos não se devem envolver porque os partidos políticos querem atingir o poder político. E numa democracia não se alcança o poder político na rua”, afirmou então o deputado independente da UNITA.
A manifestação de 24 de Outubro foi violentamente abortada pela polícia, que entrou em confronto com os organizadores do protesto, que reagiram com o arremesso de pedras, colocaram nas estradas contentores e pneus a arder, e que provocaram a destruição de meios da polícia.
Na sequência dos acontecimentos, a polícia deteve cerca de uma centena de manifestantes que foram julgados num processo sumário no Tribunal provincial na capital angolana, que terminou com a condenação de 71 réus a um mês de prisão, por um crime de desobediência, com penas convertidas em multas.
Antes deste caso, a direcção da UNITA já tinha solicitado a retirada do deputado David Mendes do espaço de análise “Revista Zimbo”, alegando não estar a representar o partido.
Nem o MPLA faria melhor
No dia 14 de Dezembro de 2018, a Direcção da UNITA demarcou-se das declarações do deputado David Mendes que afirmou, na Assembleia Nacional, estar “farto dos portugueses em Angola”, classificando a afirmação como um “deslize”.
De deslize em deslize, o deputado da UNITA foi fornecendo corda ao MPLA que, mais uma vez, vai servir para tentar enforcar a… UNITA.
“Acompanhámo-las [as declarações de David Mendes] e nós próprios ficamos muito surpreendidos com esta saída, que, naturalmente, não nos pode vincular, até porque não temos essa posição sobre Portugal ou sobre outra qualquer presença estrangeira em Angola. Creio que acabou por ser um deslize, vamos considerá-lo a este nível, que lamentamos profundamente”, disse o então líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior.
Durante o debate que antecedeu a aprovação sobre a Lei de Repatriamento de Capitais, o advogado e fundador da associação Mãos Livres, David Mendes, questionou o plenário sobre as intenções do Governo com as privatizações das empresas estatais angolanas, culminando com um ataque duro a Portugal.
Ao longo de uma intervenção de cerca de cinco minutos, David Mendes defendeu que o processo de privatização em curso em Angola não pode permitir que as empresas públicas sejam entregues a estrangeiros, sobretudo aos portugueses, “que querem tomar a economia” nacional.
“Queremos entregar o país aos estrangeiros quando temos consciência que não temos condições económicas? Qual é a pressa? Já cometemos muitos erros no passado, cometemos muitos erros, e não vamos cometer mais um. Isto de entregarmos o país aos estrangeiros tem de parar. Os estrangeiros não vêm aqui de graça. Vêm retirar o que é nosso”, disse então David Mendes.
“Estamos hoje aqui a lutar com o repatriamento de capitais, muitos estão a embandeirar que o dinheiro vai voltar. Eu não acredito que Portugal vai devolver o dinheiro que está lá. E a França e a Espanha também não. Gostaríamos de pedir aqui a esta casa [parlamento] que pensássemos quem são os que vão comprar essas empresas. Queremos privatizar a Sonangol, para quem? Quem vai comprar? Eu não sou contra os portugueses, mas estou farto dos portugueses em Angola”, disse o deputado.
David Mendes continuou, depois, a pôr em causa a presença de “estrangeiros” em Angola, lembrando que, no país, residem mais de 170 mil cidadãos portugueses.
“Quem serão os beneficiários desta lei? Em primeiro lugar serão os estrangeiros. Não nos esqueçamos de que mais de 170 mil portugueses estão em Angola. A fazer o quê? Querem tomar a nossa economia”, afirmou.
“Outros beneficiários serão os angolanos que têm dinheiro para comprar as empresas. Porém, como estão a ser perseguidos, as abelhas vão tomar conta do negócio, porque o mel todos o querem. Que país é que queremos? Para meia dúzia de indivíduos? Para meia dúzia de estrangeiros? Vamos continuar a ser os escravos na nossa própria terra? Que alternativa? Precisamos de reflectir, de reflectir para os angolanos”, acrescentou.
Dirigindo-se de seguida a Fernando Piedade Dias dos Santos, presidente do Parlamento angolano, David Mendes questionou sobre o que valeu a guerra anticolonial, que culminou com a independência, em 1975.
“O que valeram os 14 anos de guerra? Valeu para quê? Para devolvermos tudo de novo a Portugal? Foi para isso que lutamos? Foi para isso que muitos de nós perderam sangue, que muitos de nós foram para a cadeia? Para perdermos tudo para quem nos esteve a colonizar? É essa a nossa tendência? Devemos parar e reflectir”, disse.
“Qual é o angolano que tem dinheiro? Os empresários estão falidos. Se nos viessem aqui dizer que a dívida pública interna deveria ser convertida em acções das empresas, se o Estado assumisse perante os empresários que, com este dinheiro que lhes deve, iria convertê-lo em acções nas empresas, estaríamos de acordo. Agora, oferecer as nossas empresas aos estrangeiros não estou de acordo”, frisou.
Para David Mendes, os antigos combatentes, veteranos de guerra e os desmobilizados têm uma pensão que fica aquém do que merecem, pelo que defendeu a solução de as acções da Sonangol e de outras empresas a privatizar convertessem também a favor deles.
“Temos de pensar o país. Muitos, muitos companheiros nossos, sofreram, deram toda a sua juventude na luta, e hoje estão na miséria. Quantas vezes olhamos para vários nossos antigos companheiros de luta que estão na miséria. E hoje, com a possibilidade de privatizarmos as empresas, não estamos a olhar para esses nossos companheiros. O senhor presidente [da Assembleia Nacional] sabe do que estou a falar, pois foi um combatente, dirigiu tropas, dirigiu homens, e eu fui um deles”, concluiu.
O líder parlamentar da UNITA disse não estar de acordo com o posicionamento de David Mendes, que será “seguramente pessoal, fruto de um momento não reflectido”.
“David Mendes não tem esta posição anti-portuguesa como permanente. Nunca a tinha ouvido. Devo dizer que foi uma surpresa ouvir esta declaração. Não sei a razão. Naturalmente que vamos conversar com ele. É preciso que, futuramente, se cuide melhor este tipo de frases, evitar ferir sensibilidades, porque, de facto, quando se vive em excessos exacerbados de reacções contra determinados povos temos de ser exemplo de tolerância e de abertura”, justificou-se.
“Temos uma comunidade angolana muito vasta em Portugal e não devemos ser nós a tomar aqui iniciativas em Portugal e noutros países. Tivemos uma longa guerra, onde os angolanos tiveram de ir buscar hospitalidade em muitos países, vizinhos e longínquos, pelo que o exemplo de tolerância e de respeito deve ser algo que nós próprios devemos assumir em primeiro lugar. Portanto, lamentamos”, terminou.
David Mendes vai agora tentar mais uma vez intimidar o Folha 8. Tal como fez em Dezembro de 2018 quando escreveu: “Não acredito que William Tonet tenha subscrito esta barbaridade”, não se esquecendo de referir (não fossem os jornalistas do F8 estarem distraídos) que William Tonet é o Director Geral do Folha 8.
Voltará a bater na porta errada e o tiro voltará a sair-lhe pela culatra. Acredite senhor advogado David Mendes. Acredite senhor deputado David Mendes. Mais do que um Jornal, o Folha 8 é a Liberdade. E, parafraseando Manuel Freire (por sinal português), não há machado que corte a raiz à Liberdade.
Folha 8 com Lusa